HUBRIS E ARROGÂNCIA, É O QUE RESTA AO IMPÉRIO

No seguimento das questões levantadas pela iniciativa da China de estabelecer contratos futuros de compra de petróleo em Yuan, o qual é convertível em ouro no Shangai Gold Exchange, há muitos analistas que descrevem isso como um ataque direto ao dólar. O dólar seria destronado do seu papel como moeda de reserva, visto que os países produtores de petróleo (principalmente, os pertencentes à OPEP) deixam de aceitar em exclusivo esta divisa. Antes, qualquer país comprador tinha de possuir dólares para adquirir esta estratégica matéria-prima. É assim que funciona há 43 anos o sistema do petrodólar, resultante das negociações entre Kissinger e a monarquia saudita.
Porém, tal visão é muito estreita, visto que os chineses detêm um excesso de dólares (acima de um trilião) como resultado do seu comércio, altamente deficitário para os EUA.
Provocar a descida acentuada do dólar, sendo esta a mais importante divisa de reserva no banco central e nos bancos comerciais chineses, parece uma forma de auto-sabotagem, mais do que medida estratégica, no contexto do sistema monetário e financeiro mundial.
Além disso, o facto do dólar continuar a ser a moeda de reserva mundial, deve-se a seus detentores, estatais ou privados, assim o quererem. Enquanto assim quiserem, não importa em que divisas seja transaccionado o petróleo (ou outra matéria-prima), o dólar continuará a estar na posição de moeda de reserva mundial.
O perigo maior para o sistema do petrodólar, vem apenas e somente da enorme arrogância e hubris do império americano. Este tem usado e abusado da situação de privilégio de ser detentor da moeda reserva mundial para impor sanções, para dificultar o comércio e sabotar países.
O sistema de Bretton Woods só poderia ser aceitável por todos os actores ao nível mundial, se os EUA fossem capazes de refrear a tentação de usarem a sua posição especialíssima, como arma contra todos os que se rebelam e contestam a sua hegemonia.
Com efeito, nenhum país está a salvo destas medidas de guerra económica, que são o decretar unilateral de sanções, como veio recentemente provar a imposição de sanções (unilaterais) contra a Rússia e forçando os seus aliados (vassalos) da NATO a seguirem o mesmo caminho, mesmo com enorme prejuízo para eles próprios.
Mas a Rússia e a China são potências demasiado grandes para ficarem «debaixo da pata» de Washington. Naturalmente, têm encetado o caminho de se autonomizarem do sistema dólar, assim como do controlo do sistema «Swift», das transferências de divisas e de transações internacionais. Já criaram e funcionam com o seu sistema próprio, equivalente ao sistema Swift.
Paralelamente, vão comprando tanto ouro quanto podem, pois sabem que o atual sistema monetário está no fim do seu «prazo de validade», sobretudo porque as divisas são meramente símbolos manipulados pelos bancos centrais e comerciais, sem nenhuma ligação sólida à economia real, divisas «fiat».
Assim, os EUA têm tido o exorbitante privilégio de obter, a troco de «pedaços de papel» ou de dígitos eletrónicos, importações de bens e serviços sem os quais a economia dos EUA iria certamente para o colapso, visto que já deixou há muito de ter base industrial suficiente para se auto-sustentar e exportar.
Por outras palavras, mais nenhum país no mundo tem a capacidade de estar sucessivas décadas (!) em défice comercial. Os EUA conseguem esse prodígio, porque «exportam» a sua divisa e o mundo inteiro, por enquanto, aceita o dólar como pagamento.
O facto do Yuan estar a dar passos para seu reconhecimento, enquanto moeda de reserva não é de agora, basta pensar-se na longa batalha para que o FMI incluísse a divisa chinesa no cabaz de divisas, o SDR (cabaz composto por determinadas percentagens de dólares, libras, yens, euros e – agora – de yuans).
Os países ou agentes privados ficarão contentes em serem detentores de yuan, pois, agora têm a possibilidade concreta de trocar esses yuan por ouro.
O ouro, vale a pena recordá-lo, embora tenha sido «desmonetizado», continua a ser um metal monetário e ser símbolo de riqueza e de poder, como foi durante milénios.
De outro modo, seria absurdo todos os bancos centrais possuírem importantes quantidades deste metal; se fosse apenas uma matéria-prima entre outras, não haveria razão objetiva para instituições exclusivamente financeiras continuarem a deter e adquirir mais ouro.
Nos finais da IIª Guerra Mundial, o regime de Hitler estava já claramente derrotado: ainda assim, conseguia fazer importações a troco de ouro, visto que já não conseguia que os parceiros comerciais aceitassem o marco alemão.
Quando houver bastante comércio internacional em várias outras divisas e que não os cerca de 70% (actualmente) em dólares, as nações e as empresas já não verão como essencial possuírem esta moeda em reserva.
É nessa altura que o dólar será abandonado como reserva «oficiosa», pois toda a gente sabe que o dólar – desde 1971 – já não está garantido por nada de sólido.
Antes, mantinha a sua convertibilidade em ouro, o que resultava do acordo de Bretton Woods.
O desaparecimento do dólar, enquanto divisa de reserva, não será súbito, nem total: basta ver o exemplo histórico da libra.
Muitas pessoas analistas dos mercados financeiros vêem sinais claros de que o ouro irá – de novo – desempenhar um papel de relevo no sistema monetário internacional. Com efeito, este tem uma vantagem inegável sobre qualquer divisa emitida por um banco central: é que não pode ser fabricado a preceito ou conforme as conveniências de uma super-potência, além de seu valor ser o mesmo em todo o mundo e aceite, independente do local onde foi minerado ou refinado.

 

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